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Artigo: Fluxo de gases do efeito estufa no contexto da lavoura de arroz do RS

Após a COP-26 e a assinatura de acordos internacionais, as atenções voltam-se para a pecuária e o arroz irrigado

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Pesquisa Mara Grohs
Irga dedica-se há quase 20 anos em pesquisas relacionadas ao impacto dos GEE - Foto: Mara Grohs/Irga
Por Dra. Mara Grohs

Nos últimos anos, em função do aquecimento global, muito tem-se discutido sobre o aumento das concentrações na atmosfera dos gases do efeito estufa (GEE), sendo esses apontados como os vilões do fenômeno. Apesar disso, o efeito estufa é um fenômeno natural, responsável pelo aquecimento da superfície da Terra, garantindo a manutenção de temperatura favorável aos organismos vivos. Esse fenômeno ocorre porque parte da radiação infravermelha, emitida pela superfície terrestre, é absorvida por determinados gases presentes na atmosfera, denominados de gases de efeito estufa (GEE). Dentre os GEE, dióxido de carbono, metano e óxido nitroso são os mais relevantes, à sua capacidade de reter radiação ao longo do tempo e à sua permanência na atmosfera.

Dentre as atividades geradoras de GEE, estima-se que a agricultura e a pecuária contribuam, mundialmente, com aproximadamente 22% das emissões totais de dióxido de carbono, 55% das emissões de metano e 80% das emissões de óxido nitroso. Desse total, a lavoura de arroz representa 30% das emissões de metano e 11% das emissões de óxido nitroso.

Durante a COP-26, o Brasil assumiu um compromisso global de reduzir em 30% as emissões de metano até 2030. No cultivo de arroz irrigado, a produção e a emissão de metano ocorrem, predominantemente, durante a safra, quando o solo está coberto por lâmina de água, com ausência de oxigênio livre no solo, sendo o metano produzido no solo e transportado pela planta de arroz até a atmosfera, ou seja, a planta de arroz não produz o gás, apenas a transfere para a atmosfera.

Apesar da lavoura de arroz irrigado não ser a principal fonte emissora desse gás, é uma das poucas fontes emissoras de GEE que, através de práticas de manejo adequadas, tem seu padrão de emissão diminuído. Nesse sentido, o Irga, em parceria com universidades como a UFRGS e a UFSM, tem desenvolvido pesquisas nesse campo desde o início dos anos 2000 com intuito de entender os padrões de emissão e identificar os manejos mitigadores dos GEE.

Mais recentemente, desde o ano de 2015, os trabalhos do Irga têm se concentrado na caracterização dos sistemas de cultivo e a interferência da forma como o produtor trabalha o solo na emissão dos GEE, durante 365 dias no ano, diferentemente dos trabalhos iniciais que concentravam-se apenas no período da safra. Além disso, a presença da soja e de plantas de cobertura passaram a ser investigadas, pois estão modificando os padrões dos sistemas de cultivo.

O projeto intitulado “Emissão de gases do efeito estufa em função do manejo pós-colheita em área de arroz irrigado e soja” está sendo desenvolvido na Estação Regional de Pesquisa de Cachoeira do Sul, em parceria com o professor Sandro Giacomini, coordenador do Laboratório de Pesquisa em Biotransformações de Carbono e Nitrogênio (LABCEN), da UFSM, e durante 144 semanas quantificou, através de cromatografia gasosa, a influência dos sistemas de cultivo mais utilizados no RS: cultivo mínimo, sistema convencional, plantio direto e plantio direto associado ao trevo persa. O estudo foi conduzido tanto na cultura do arroz quanto na soja, caracterizando a realidade dos sistemas produtivos do RS, com um investimento de cerca de R$ 50 mil.

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Estudo do Irga identificou os fluxos dos GEE na cultura do arroz e da soja - Foto: Mara Grohs/Irga

De forma preliminar, foi identificado que o cultivo mínimo, utilizado em 70% das propriedades gaúchas, é o sistema de cultivo mais sustentável do ponto de vista ambiental, sendo uma estratégia de mitigação da emissão dos GEE (resultados variam de 13 a 33% de redução). O cultivo mínimo é aquele em que o produtor prepara o solo durante o outono-inverno. Foi quantificado no estudo que a inserção da soja reduz em até 55% a emissão dos GEE, nas terras baixas e a introdução de uma planta de cobertura de outono-inverno, no período da entressafra, como o trevo persa, atua como mitigadora da emissão de óxido nitroso. O estudo está na fase final e ainda irá elucidar a real contribuição dos sistemas mais conservacionistas, como o plantio direto.  

Além dos sistemas de cultivo, práticas preconizadas para o aumento da produtividade de grãos de arroz também são benéficas do ponto de vista ambiental, por reduzirem a emissão de CO2 equivalente por quilo de alimento produzido (que é o somatório de todos os GEE, convertidos a CO2). Pegando como exemplo as produtividades recordes atingidas nas duas últimas duas safras de arroz, onde passou-se de 7,5 para 9 toneladas por hectare, houve uma redução de 17% nas emissões de GEE, somente em função do aumento da produtividade, sem considerar a redução de área semeada (em torno de 4%). Ou seja, a lavoura de arroz gaúcho tem feito a sua parte e não é de agora. Nos últimos 30 anos, a lavoura de arroz irrigado do RS teve um aumento médio de 40% na produtividade e, consequente redução de 48% no padrão de emissão dos GEE. Essas importantes modificações na lavoura são resultado de pesquisa em melhoramento genético do Irga, associado às boas práticas de manejo, difundidas pelos projetos de pesquisa e extensão que as equipes do Irga implementam junto aos produtores rurais, como o Projeto 10.

É em função desses resultados que em junho desse ano foi realizada uma reunião com representantes do MAPA e de todos os envolvidos com as pesquisas de GEE na cultura do arroz irrigado no RS a fim de finalmente incluir a cultura do arroz irrigado no Programa ABC+ (Agricultura de Baixo Carbono). 

No estudo realizado pelo Irga, um hectare de arroz irrigado emitiu 5.700kg/ha de CO2 equivalente, mas alimenta 170 pessoas por ano. Quando comparado à emissão de 9.000 quilos de CO2 equivalente por habitante no Brasil (SEEG, 2019), a pergunta que fica é: o que a sociedade em geral está fazendo para reduzir as emissões de GEE? Pois a lavoura de arroz gaúcha já está fazendo.

Para mais informações técnicas, consulte a Circular do Irga nº 003/JANEIRO/2020.

Mara Grohs é coordenadora da Estação Regional de Pesquisa do Irga de Cachoeira do Sul e doutora pela Universidade Federal de Santa Maria na área de Agronomia, com ênfase em Manejo e nutrição de plantas com foco na cultura do Arroz irrigado, com parte do doutoramento realizado na Arkansas State University, junto ao USDA. 

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