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Neutralidade climática continua durante o outono e inverno deste ano

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O outono iniciou no dia 20 de março e com ele algumas mudanças nos padrões de tempo começarão a ser percebidas
O outono iniciou no dia 20 de março e com ele algumas mudanças nos padrões de tempo começarão a ser percebidas - Foto: Reprodução/Pixabay
Por JOSSANA CERA

Condições meteorológicas ocorridas em fevereiro de 2020

Fevereiro registrou precipitações abaixo da média climatológica em todo o estado do Rio Grande do Sul (RS). Apenas partes da Fronteira Oeste e Norte do Estado receberam os maiores volumes, que ficaram entre 100 e 150mm, pois algumas regiões como Camaquã e de Soledade/Serafina Corrêa, receberam entre 2 e 25mm apenas (Figura 1 A). A anomalia de precipitação na maior parte do RS foi de -50 a -100 mm, mas houve locais onde o déficit chegou entre -100 e -200 mm (Figura 1 B). O próximo boletim terá informações sobre o mês de março, mas, pode-se adiantar que na primeira quinzena não houve chuvas no RS e que, provavelmente, também será um mês com chuvas abaixo da normal climatológica.

Mapa da precipitação acumulada (A) e da anomalia da precipitação (B) durante o mês de fevereiro de 2020 no Estado
Mapa da precipitação acumulada (A) e da anomalia da precipitação (B) durante o mês de fevereiro de 2020 no Estado

Figura 1: Mapa da precipitação acumulada (A) e da anomalia da precipitação (B) durante o mês de fevereiro de 2020 no Estado do Rio Grande do Sul. As escalas de cores indicam, em mm, o acumulado de precipitação (A) e a anomalia de precipitação (B), onde valores positivos (azul) indicam precipitação acima da média e valores negativos (laranja-vermelho) indicam precipitação abaixo da média. Fonte de dados: CPTEC/INMET.

Em resumo, o verão (período de 22 de dezembro de 2019 a 20 de março de 2020) terminou com déficit de precipitação na maioria dos municípios do RS. Devido à neutralidade climática, alertava-se que as chuvas poderiam ficar abaixo da média climatológica, como alguns modelos vinham apontando. No entanto, esperava-se que as chuvas voltassem a se regularizar em meados de março, o que não ocorreu. Isto agrava, dia a dia, a situação da forte estiagem nesse Estado. Além da falta de chuvas, duas ondas de calor, uma em final de dezembro e outra no início de março, também ajudaram a agravar a situação, devido à alta taxa de evapotranspiração que elas ocasionam.

Entretanto, se as chuvas de janeiro não tivessem ocorrido, a situação estaria bem pior e, com certeza, muitos outros municípios estariam com racionamento de água e as perdas na agricultura seriam ainda maiores, como foi no verão de 2004/2005, onde foram quatro meses consecutivos (de dezembro a março) com muita pouca chuva.

Em fevereiro, as temperaturas mínimas ficaram, em média, entre 1 e 2 °C abaixo da normal climatológica nas regiões da Campanha, Centro e Zona Sul. Já as temperaturas máximas ficaram dentro da normal na maioria das regiões. Somente na região metropolitana de Porto Alegre e na Serra as temperaturas ficaram entre 1 e 4 °C acima da média climatológica.

Condições da radiação solar durante fevereiro de 2020

A radiação solar é um fator importante para as lavouras de arroz em estádio reprodutivo. Os mapas decendiais mostram que no 1º decêndio de fevereiro (Figura 2 B), a radiação solar foi acima média climatológica em todas as regiões orizícolas. No 2º decêndio (Figura 2 C), os valores de radiação solar ficaram acima da média na metade Leste e abaixo da média na metade Oeste do Rio Grande do Sul. Já no 3º decêndio (Figura 2 D), os valores de radiação solar voltaram a ficar acima da média em todas as regiões orizícolas do Estado.

Normal climatológica (período 1981 a 2010)
Normal climatológica (período 1981 a 2010)

Figura 2: Normal climatológica (período 1981 a 2010) para a radiação solar (MJ/m2) no mês de fevereiro (A) e anomalia da radiação solar (MJ/m2) durante o 1° (B), o 2º (C) e o 3º decêndios de fevereiro de 2020, para o Estado do RS. Fonte de dados: INMET.

De modo geral, a média da radiação solar durante o mês de fevereiro, nas regiões orizícolas do RS, foi de 24, 1 MJ m-2, ou 575,9 cal cm-2, ou seja, ela ficou acima da normal climatológica, com anomalia de +2,9 MJ m-2 dia-1.

Situação atual do fenômeno ENOS (El Niño-Oscilação Sul) e perspectivas

As condições oceânicas e atmosféricas continuam indicando Neutralidade. Porém, com pequeno viés positivo, visto que a anomalia da Temperatura da Superfície do Mar (TSM) na região Niño3.4 está em torno de +0,5 °C (Figura 3) nos últimos três trimestres consecutivos móveis (OND, NDJ e DJF). Porém, não há indicativo para a formação de um novo episódio El Niño para a próxima safra. As condições do Oceano Atlântico Sul também têm se mantido desfavoráveis às chuvas no RS, já que as águas têm se mantido dentro do padrão neutro (Figura 3).

Anomalia da Temperatura da Superfície do Mar no mês de fevereiro de 2020
Anomalia da Temperatura da Superfície do Mar no mês de fevereiro de 2020

Figura 3: Anomalia da Temperatura da Superfície do Mar no mês de fevereiro de 2020. Fonte: Adaptado de CPTEC. O retângulo central na imagem mostra a região do Niño3.4, a qual os centros internacionais utilizam para calcular o Índice Niño (índice que define eventos de El Niño e La Niña). Já o retângulo menor mostra a região Niño 1+2, que modula a qualidade, ou seja, a regularidade das chuvas no RS.

Segundo o IRI (International Research Institute for Climate and Society), a fase Neutra tem 66% de chance de se manter no trimestre abril, maio e junho e de 53 % no inverno, que corresponde ao trimestre junho, julho e agosto.

A previsão atualizada pela NOAA (Centro Americano de Meteorologia e Oceanografia) no dia 12 de março elevou as chances de configuração de um evento La Niña para a próxima safra. Isso gerou certo alarde e pânico entre os produtores do RS, visto que se está sob forte estiagem no momento. A NOAA prevê, para o outubro, novembro e dezembro de 2020, 40% de chance para La Niña e 41% de chance para Neutralidade, ou seja, pela média dos modelos, as chances são as mesmas para os dois eventos. O que ocorre é que um ou dois modelos estão indicando maior probabilidade para a La Niña.

No entanto, deve-se ressaltar que as previsões feitas agora durante o período do outono possuem confiabilidade menor, com isso, a atenção deve ser redobrada na interpretação das previsões. Outro fator a ser considerado, é que o trimestre em questão ainda está bastante distante. Por isso, é necessário acompanhar as previsões nos próximos meses, para ver se este padrão irá continuar, mas, por enquanto, até o inverno, o padrão predominante será o da Neutralidade.

Com relação às temperaturas, massas de ar frio deverão chegar já em abril, após a passagem de frentes frias. Frio mais intenso, com risco para geadas, só a partir de maio.

Mesmo assim, as médias mensais previstas são de temperaturas entre a normal climatológica ou pouco acima do padrão, entre +1 e +2 °C, para os próximos três meses.

Previsão para a precipitação no trimestre abril, maio e junho de 2020

Para esclarecimento: o modelo estatístico para a previsão de anomalia de precipitação que vinha sendo elaborado em conjunto entre a UFPel e INMET e utilizado nestes boletins climáticos, não está mais sendo atualizado. Portanto, a partir de agora será utilizado o modelo CFSv2 (Climate Forecast System), da NOAA. Este modelo é atualizado diariamente (quatro vezes ao dia), por isso, a tendência de precipitação será colocada de forma escrita, e não na forma de mapas, devido à variação diária que essas previsões apresentam.

Abril: as chuvas ainda vão demorar a regularizar, tanto que as previsões têm mudado bastante. A expectativa é de que as precipitações ainda fiquem abaixo da média, entre -10 e -35 mm. Lembrando que a média climatológica em abril é de 110 mm no Sul e Leste, de 160 mm no Oeste e de 170 mm no Centro do Estado.

Maio: as simulações para maio também têm oscilado, mas as últimas atualizações mostram um cenário mais chuvoso, com expectativa de precipitações superiores à média climatológica. As anomalias de precipitação devem ficar entre +10 e +30 mm.

Junho: as simulações são mais consistentes e apontam para precipitações acima da média climatológica. As anomalias devem ficar entre +10 e +35 mm, em relação à normal climatológica.

Independentemente se as precipitações ficarem acima ou abaixo da normal climatológica, o fato é que, com a chegada do outono, a tendência é de que as frentes frias passem com maior frequência sobre o Estado e, com isso, a umidade retorne gradualmente. O padrão mais atuante neste verão foi a ZCAS (Zona de Convergência do Atlântico Sul), que provocou muita chuva no Sudeste, retendo a umidade por lá, ou seja, literalmente não sobrou umidade para a formação de nuvens no RS, causando maior ausência de chuvas e consequente estiagem.

O outono iniciou no dia 20 de março e com ele algumas mudanças nos padrões de tempo começarão a ser percebidas. Como este é um período de transição entre as estações quente (verão) e fria (inverno), poderão ser observadas características das duas estações. Abaixo seguem alguns dos padrões predominantes de outono:

  • O ingresso de frentes frias (sistema de baixa pressão atmosférica) começa a ficar mais frequente e, depois do sistema de baixa pressão, vem o sistema de alta pressão atmosférica, geralmente acompanhado por temperaturas amenas e tempo mais ventoso de Sul e Sudoeste.
  • A Alta Subtropical, localizada no Oceano Atlântico, é móvel e se intensifica no outono. Algumas vezes ela consegue influenciar parte do Brasil e do estado do RS, tornando o tempo mais seco, com grande amplitude térmica diária (diferença entre as temperaturas mínima e máxima).
  •  Não raro, ocorre o ingresso de massas de ar mais frio, típicas do inverno, ainda durante o outono. As frentes frias, com caraterísticas continentais, trazem consigo os ventos de Sul e temperaturas baixas, o que se pode chamar de ondas de frio.
  • Há, ainda, a possibilidade de formação de tempestades severas nesta época do ano, que é quando alguns padrões sinóticos se combinam, desencadeando em situações de chuvas fortes, acompanhadas de temporais mais intensos.

Com relação à colheita de grãos da safra 2019/2020, os produtores poderão ter problemas, devido à ocorrência de chuvas e, também, ao tempo mais úmido, com formação de nevoeiros, típicos da estação. Então, poderão enfrentar esses problemas, aquelas lavouras de arroz semeadas tardiamente, e a soja, cujo pico de colheita deverá ser no mês de abril.

Jossana Cera é meteorologista, doutora em Engenharia Agrícola pela UFSM e consultora do Irga.

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